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Caderno de Pensamentos do Sr. Anacleto da Cruz
Por A. Pedro Correia
I
Quando deres a mão a alguém, procura recuperá-la.
II
A intimidade que se torna pública não é íntima.
III
Entre dois ovos iguais, escolhe o que puderes voltar a fechar.
IV
Quando um peixe falar contigo, ouve-o.
V
Trata bem a tua sombra. Sê grato por ela não te ter ainda abandonado.
VI
Se caíres de um sítio demasiado alto, prefere que o buraco não tenha fundo.
VII
Se exagerares ao tapar um buraco crias um monte.
VIII
O pássaro que fica pousado no céu não é pássaro, é céu.
IX
É possível que estejas morto. Nesse caso é inútil prosseguires a leitura.
X
Parece unânime a opinião de que tudo é diverso.
XI
Podes ordenar ao chouriço que volte a ser porco, mas não estranhes que ele não te obedeça.
XII
Senta-te na planície e espera. Um dia passará Maomé a caminho da montanha, outro passará a montanha a caminho de Maomé.
XIII
Se perguntares ao leão quantos dentes tem, não esperes pela resposta.
XIV
Pede educadamente à porta que se abra. Se ela não abrir, utiliza a maçaneta.
XV
Se a bala vem já na tua direcção, sê simpático e gentil. O contrário em nada alterará o seu destino.
XVI
Não fujas da serpente que ainda permanece dentro ovo.
XVII
De manhã, ao acordar, conta os dedos dos pés e os dedos das mãos. Se faltar algum, procura entre as dobras dos lençóis.
XVIII
Se eu estivesse no teu lugar também me sentiria eterno. Infelizmente morri ontem.
XIX
Procura manter os pingos da chuva separados. Se os juntares tornam-se apenas água.
XX
Pousa o olhar o mais que possas. Mas leva os olhos sempre contigo.
XXI
Agarra um pedaço de vento e pergunta-lhe por onde passou. Se não responder, liberta-o.
XXII
Arranja um colo e ronrona.
XXIII
Há o dia, há a noite e há o tempo em que me ausento.
XXIV
Escolhe um galo que não cante. Para despertar, usa um despertador.
XXV
Finge que afagas um gato. Se tiveres um, afaga-o.
XXVI
Podes tentar, mas vai ser-te difícil alimentar peixes com leite.
XXVII
Se se te esgotarem as ideias inventa alguma coisa.
XXVIII
Com os olhos, fixa a trajectória da seta no ar. Fixa a seta no ar.
XXIX
Quando te defrontares com o medo agradece-lhe a companhia. Diz-lhe: agora já somos dois.
XXX
Darwin tinha razão. Mas não tanta que tornes a vaca carnívora.
XXXI
Passeia-te sob a chuva. Se derreteres, és solúvel.
XXXII
O sono é fundamental para a infância. Depois das dez da noite não deves acordar a criança que há em ti.
XXXIII
Veste um fato preto. Põe um chapéu preto, uns sapatos pretos e uns óculos pretos. Se não gostares do resultado, muda de roupa.
XXXIV
A ordem natural das coisas é não discutir, entre ti e a pulga, quem alimenta quem.
XXXV
Vive uma vida que seja tua. As vidas emprestadas pagam juros mais altos e são mais sensíveis às flutuações.
XXXVI
Constrói uma jangada de pedra. Fundeia-a numa baía de areia.
XXXVII
Há três coisas que não podes fazer. É inútil que saibas quais são.
XXXVIII
Morre um bocadinho todos os dias. Assim, no final, faltará muito pouco.
XXXIX
Ocupa-te de um animal imaginário. É económico e entretém.
XL
Podes pedir à pena da ave que voe. Porém, não lhe peças que cante.
XLI
Desafia a lei da gravidade. Ri-te.
XLII
Coloca as palavras gastas num contentor apropriado.
Recicla-as.
XLIII
Não firas o silêncio. Se, no entanto, o ferires, presta-lhe os primeiros socorros.
XLIV
Constrói castelos na areia. Recorda-os, para que durem muito tempo.
XLV
Se o peixe se imaginar pássaro não interfiras. Ele acabará por se decidir sozinho.
XLVI
Junta um palito por cada porco que tenhas. Vários palitos fazem uma vara.
XLVII
Ninguém me dá ordens, ninguém me dá ordens, ninguém me dá ordens. Repete comigo: ninguém me dá…
XLVIII
Mete a lua no bolso. Poderás conservá-la contigo entre o quarto minguante e o quarto crescente.
XLIX
Dá à luz. Oferece à luz aquilo que desejes ver iluminado.
L
Existem diferentes formas de lavar a alma mas, caso a não encontres, nada ganhas em conhecê-las.
LI
Grita mais alto do que o trovão. Verás que ele acabará por se calar.
LII
Há dias em que o mundo parece arrepender-se de ter nascido. Cabe-te tentar consolá-lo.
LIII
Vive. As alternativas, consideradas todas as hipóteses, são muito mais monótonas.
LIV
Percorre o túnel até ao fundo. Se não encontrares uma luz, é porque a lâmpada se fundiu.
LV
É possível que sejas atacado por insónias. Mantém-te alerta e acordado até que o ataque passe.
LVI
Podes fazer passar um camelo pelo buraco de uma agulha. Mas dificilmente a usarás para coser as tuas roupas.
LVII
Cristo devolveu a vista a Lázaro. Não era pessoa para usar vistas que não fossem suas.
LVIII
Tem sempre certezas absolutas. Talvez seja melhor do que teres dúvidas. Ou talvez não...
LIX
É cada vez mais importante falar línguas estrangeiras. Se não dominares uma, muda de país e fala a tua língua.
LX
Claro que existe um pote de ouro no fim do arco-íris. O mais difícil é saber de que arco-íris.
LXI
Excepto em caso de necessidade absoluta, evita passear a giboia com trela e coleira.
LXII
Não farás amigos alimentando abutres com folhas de alface.
LXIII
Se, ao acordar, te tiverem nascido guelras, procura uma boa piscina para viver. Tu não suportarias viver em plena natureza.
LXIV
Não procures a agulha no palheiro. É preferível que a busques onde a perdeste.
LXV
Os cães ladram. Apesar de não passar uma caravana há muito tempo, os cães não param de ladrar.
LXVI
A estupidez é que te derrota. A tua e a dos outros.
LXVII
Quando vires uma árvore a andar, pára. A árvore imitar-te-á.
LXVIII
Levanta-te e caminha. Quando te sentires cansado, senta-te.
LXIX
Uma cama de madeira não é uma árvore a dormir profundamente.
LXX
Não é líquido que, para fazer uma sopa de pedra, necessites de caldo de lava.
LXXI
Interessa-te por tubarões. É melhor, acredita, do que interessarem-se os tubarões por ti.
LXXII
Tudo, em mim, aconteceu demasiadamente tarde. Menos a morte.
LXXIII
Nenhuma esfera era redonda antes de o ser.
LXXIV
Vai, deixa-te ir nas asas do sonho. Mas transporta contigo um pára-quedas que seja real.
LXXV
Presta atenção ao murmúrio das águas. Se não perceberes, pede-lhes que falem mais alto.
LXXVI
Vive no limiar. Ainda que não saibas de quê, vive sempre no limiar.
LXXVII
Sobe até ao infinito. Excepto se o caminho para o infinito não for para cima.
LXXVIII
Se desejas uma mala de pele de crocodilo, não mates o dito. Com ele vivo nenhum ladrão ta roubará.
LXXIX
A vida é um carrossel. Mas, enquanto estiveres nele, pagas o bilhete dos carrinhos de choque, da montanha russa, da casa do horror, do túnel do amor…
LXXX
Acredita. Acredita que podes duvidar.
LXXXI
Porfia. Se te vires por um fio, porfia.
LXXXII
Arma-te em parvo. Foi assim que começou a corrida ao armamento.
LXXXIII
Quem não arrisca risca ar.
LXXXIV
Há tanto tempo que matas o tempo e que o tempo não morre. Mas é só uma questão de tempo e um de vós…
LXXXV
Tem opiniões próprias. Mesmo que as vás buscar aos outros.
LXXXVI
Amarra o teu barco a um porto que ande à deriva. Assim podes viajar enquanto estás parado.
LXXXVII
Anda de metro. De metro em metro percorrem-se quilómetros.
LXXXVIII
Se a minhoca se achar serpente, não a desiludas. Deixa que ela te crave os dentes e finge que morres.
LXXXIX
Apanha bastante sol. Seca algum para, quando for necessário, o utilizares de conserva.
XC
A timidez é um problema relativo. Vai para a rua e grita bem alto que és tímido. Enquanto gritares, não és.
XCI
Sê tão fiel como o fiel da balança. Oscila de um lado para o outro.
XCII
Não uses o pirilampo para iluminar o teu caminho. Compra uma lanterna.
XCIII
Se fores comido pelo tigre, passas a usar a sua pele.
XCIV
Imagina um animal que não exista. Foi o que alguém fez contigo.
XCV
A morte, quando não tem trabalho, inventa. Há mortos que morrem muitas vezes.
XCVI
Repara como a vida fervilha. É por isso que se evapora.
XCVII
Adquire qualidades de camaleão. Aprende a recolher a língua.
XCVIII
Viaja no tempo. Compra um talhão no cemitério.
XCIX
Não bebas as palavras do texto. Prefere um copo de água.
C
Sem.
CI
Haverá, talvez, mais marés do que marinheiros. Mas há mais marinheiros mortos do que marés vivas.
CII
Não tentes, na rua, dobrar uma esquina. Isso pode trazer muitos incómodos e destruição.
CIII
Devolve-me todas as palavras. Não tas dei para que fizesses mau uso delas.
CIV
Mantém-te bem intencionado. É com boas intenções que muitos se tornam cabrões.
CV
As montanhas aumentam de tamanho à medida que nos aproximamos delas. É uma mania antiga, que fazem questão de manter.
CVI
Partindo do seu ponto de vista, é injusto que queiras exterminar a injustiça.
CVII
É certo que o homem é omnívoro e o leão carnívoro. Já quanto à maçã ser vegetariana…
CVIII
É fácil falar mal de alguém. Difícil é falar mal de alguém e fazê-lo bem.
CIX
O sol continua atrás das nuvens. Acorda-me, quando estiver à frente.
CX
Quem dança por gosto não descansa.
CXI
Lastima-te, mas não desanimes. Persevera nalguma coisa: lastima-te.
CXII
Alimenta-te de ti mesmo. Rói-te de inveja.
CXIII
Caminha sobre as águas. Não pares de andar, dentro do barco.
CXIV
Nada é mais teu do que o chão que pisas. Pelo menos enquanto o pisas…
CXV
Todas as desculpas servem para um homem se manter vivo. Excepto, comprovadamente, a última.
CXVI
Domina o cometa como se pegasses um touro. Fá-lo rabejar.
CXVII
É difícil fazer compreender ao pássaro que a profundidade é a altitude ao contrário. Excepto, talvez, se for toupeira a explicar-lhe.
CXVIII
Rodeia-te de ouro que não apresente peso nem forma. Transporta-se mais facilmente.
CXIX
Há, aqui, coisas que são pérolas. Mas o que são pérolas, nos dias de hoje?
CXX
Não acredites em tudo o que leste.
CXX
Não acredites em tudo o que leste.
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