I

Quando deres a mão a alguém, procura recuperá-la.
II

A intimidade que se torna pública não é íntima.
III

Entre dois ovos iguais, escolhe o que puderes voltar a fechar.
IV

Quando um peixe falar contigo, ouve-o.
V

Trata bem a tua sombra. Sê grato por ela não te ter ainda abandonado.
VI

Se caíres de um sítio demasiado alto, prefere que o buraco não tenha fundo.
VII

Se exagerares ao tapar um buraco crias um monte.
VIII

O pássaro que fica pousado no céu não é pássaro, é céu.
IX

É possível que estejas morto. Nesse caso é inútil prosseguires a leitura.
X

Parece unânime a opinião de que tudo é diverso.
XI

Podes ordenar ao chouriço que volte a ser porco, mas não estranhes que ele não te obedeça.
XII

Senta-te na planície e espera. Um dia passará Maomé a caminho da montanha, outro passará a montanha a caminho de Maomé.
XIII

Se perguntares ao leão quantos dentes tem, não esperes pela resposta.

XIV

Pede educadamente à porta que se abra. Se ela não abrir, utiliza a maçaneta.
XV

Se a bala vem já na tua direcção, sê simpático e gentil. O contrário em nada alterará o seu destino.
XVI

Não fujas da serpente que ainda permanece dentro ovo.
XVII

De manhã, ao acordar, conta os dedos dos pés e os dedos das mãos. Se faltar algum, procura entre as dobras dos lençóis.
XVIII

Se eu estivesse no teu lugar também me sentiria eterno. Infelizmente morri ontem.
XIX

Procura manter os pingos da chuva separados. Se os juntares tornam-se apenas água.
XX

Pousa o olhar o mais que possas. Mas leva os olhos sempre contigo.
XXI

Agarra um pedaço de vento e pergunta-lhe por onde passou. Se não responder, liberta-o.
XXII

Arranja um colo e ronrona.
XXIII

Há o dia, há a noite e há o tempo em que me ausento.
XXIV

Escolhe um galo que não cante. Para despertar, usa um despertador.
XXV

Finge que afagas um gato. Se tiveres um, afaga-o.
XXVI

Podes tentar, mas vai ser-te difícil alimentar peixes com leite.
XXVII

Se se te esgotarem as ideias inventa alguma coisa.
XXVIII

Com os olhos, fixa a trajectória da seta no ar. Fixa a seta no ar.
XXIX

Quando te defrontares com o medo agradece-lhe a companhia. Diz-lhe: agora já somos dois.
XXX

Darwin tinha razão. Mas não tanta que tornes a vaca carnívora.
XXXI

Passeia-te sob a chuva. Se derreteres, és solúvel.
XXXII

O sono é fundamental para a infância. Depois das dez da noite não deves acordar a criança que há em ti.
XXXIII

Veste um fato preto. Põe um chapéu preto, uns sapatos pretos e uns óculos pretos. Se não gostares do resultado, muda de roupa.
XXXIV

A ordem natural das coisas é não discutir, entre ti e a pulga, quem alimenta quem.
XXXV

Vive uma vida que seja tua. As vidas emprestadas pagam juros mais altos e são mais sensíveis às flutuações.
XXXVI

Constrói uma jangada de pedra. Fundeia-a numa baía de areia.
XXXVII

Há três coisas que não podes fazer. É inútil que saibas quais são.
XXXVIII

Morre um bocadinho todos os dias. Assim, no final, faltará muito pouco.
XXXIX

Ocupa-te de um animal imaginário. É económico e entretém.
XL

Podes pedir à pena da ave que voe. Porém, não lhe peças que cante.
XLI

Desafia a lei da gravidade. Ri-te.
XLII

Coloca as palavras gastas num contentor apropriado.
Recicla-as.
XLIII

Não firas o silêncio. Se, no entanto, o ferires, presta-lhe os primeiros socorros.
XLIV

Constrói castelos na areia. Recorda-os, para que durem muito tempo.
XLV

Se o peixe se imaginar pássaro não interfiras. Ele acabará por se decidir sozinho.
XLVI

Junta um palito por cada porco que tenhas. Vários palitos fazem uma vara.
XLVII

Ninguém me dá ordens, ninguém me dá ordens, ninguém me dá ordens. Repete comigo: ninguém me dá…
XLVIII

Mete a lua no bolso. Poderás conservá-la contigo entre o quarto minguante e o quarto crescente.
XLIX

Dá à luz. Oferece à luz aquilo que desejes ver iluminado.
L

Existem diferentes formas de lavar a alma mas, caso a não encontres, nada ganhas em conhecê-las.
LI

Grita mais alto do que o trovão. Verás que ele acabará por se calar.
LII

Há dias em que o mundo parece arrepender-se de ter nascido. Cabe-te tentar consolá-lo.
LIII

Vive. As alternativas, consideradas todas as hipóteses, são muito mais monótonas.
LIV

Percorre o túnel até ao fundo. Se não encontrares uma luz, é porque a lâmpada se fundiu.
LV

É possível que sejas atacado por insónias. Mantém-te alerta e acordado até que o ataque passe.
LVI

Podes fazer passar um camelo pelo buraco de uma agulha. Mas dificilmente a usarás para coser as tuas roupas.
LVII

Cristo devolveu a vista a Lázaro. Não era pessoa para usar vistas que não fossem suas.
LVIII

Tem sempre certezas absolutas. Talvez seja melhor do que teres dúvidas. Ou talvez não...
LIX

É cada vez mais importante falar línguas estrangeiras. Se não dominares uma, muda de país e fala a tua língua.
LX

Claro que existe um pote de ouro no fim do arco-íris. O mais difícil é saber de que arco-íris.

LXI

Excepto em caso de necessidade absoluta, evita passear a giboia com trela e coleira.
LXII

Não farás amigos alimentando abutres com folhas de alface.
LXIII

Se, ao acordar, te tiverem nascido guelras, procura uma boa piscina para viver. Tu não suportarias viver em plena natureza.
LXIV

Não procures a agulha no palheiro. É preferível que a busques onde a perdeste.
LXV

Os cães ladram. Apesar de não passar uma caravana há muito tempo, os cães não param de ladrar.
LXVI

A estupidez é que te derrota. A tua e a dos outros.
LXVIII

Levanta-te e caminha. Quando te sentires cansado, senta-te.
LXIX

Uma cama de madeira não é uma árvore a dormir profundamente.
LXX

Não é líquido que, para fazer uma sopa de pedra, necessites de caldo de lava.
LXXI

Interessa-te por tubarões. É melhor, acredita, do que interessarem-se os tubarões por ti.
LXXII

Tudo, em mim, aconteceu demasiadamente tarde. Menos a morte.
LXXIII

Nenhuma esfera era redonda antes de o ser.
LXXIV

Vai, deixa-te ir nas asas do sonho. Mas transporta contigo um pára-quedas que seja real.
LXXV

Presta atenção ao murmúrio das águas. Se não perceberes, pede-lhes que falem mais alto.
LXXVI

Vive no limiar. Ainda que não saibas de quê, vive sempre no limiar.
LXXVII

Sobe até ao infinito. Excepto se o caminho para o infinito não for para cima.
LXXVIII

Se desejas uma mala de pele de crocodilo, não mates o dito. Com ele vivo nenhum ladrão ta roubará.
LXXIX

A vida é um carrossel. Mas, enquanto estiveres nele, pagas o bilhete dos carrinhos de choque, da montanha russa, da casa do horror, do túnel do amor…
LXXX

Acredita. Acredita que podes duvidar.
LXXXI

Porfia. Se te vires por um fio, porfia.
LXXXII

Arma-te em parvo. Foi assim que começou a corrida ao armamento.
LXXXIII

Quem não arrisca risca ar.
LXXXIV

Há tanto tempo que matas o tempo e que o tempo não morre. Mas é só uma questão de tempo e um de vós…
LXXXV

Tem opiniões próprias. Mesmo que as vás buscar aos outros.
LXXXVI

Amarra o teu barco a um porto que ande à deriva. Assim podes viajar enquanto estás parado.

LXXXVII

Anda de metro. De metro em metro percorrem-se quilómetros.
LXXXVIII

Se a minhoca se achar serpente, não a desiludas. Deixa que ela te crave os dentes e finge que morres.
LXXXIX

Apanha bastante sol. Seca algum para, quando for necessário, o utilizares de conserva.
XC

A timidez é um problema relativo. Vai para a rua e grita bem alto que és tímido. Enquanto gritares, não és.
XCI

Sê tão fiel como o fiel da balança. Oscila de um lado para o outro.
XCII

Não uses o pirilampo para iluminar o teu caminho. Compra uma lanterna.
XCIII

Se fores comido pelo tigre, passas a usar a sua pele.
XCIV

Imagina um animal que não exista. Foi o que alguém fez contigo.
XCV


A morte, quando não tem trabalho, inventa. Há mortos que morrem muitas vezes.
XCVI


Repara como a vida fervilha. É por isso que se evapora.
XCVII

Adquire qualidades de camaleão. Aprende a recolher a língua.
XCVIII

Viaja no tempo. Compra um talhão no cemitério.
XCIX

Não bebas as palavras do texto. Prefere um copo de água.
C

Sem.
CI

Haverá, talvez, mais marés do que marinheiros. Mas há mais marinheiros mortos do que marés vivas.
CII

Não tentes, na rua, dobrar uma esquina. Isso pode trazer muitos incómodos e destruição.
CIII

Devolve-me todas as palavras. Não tas dei para que fizesses mau uso delas.
CIV

Mantém-te bem intencionado. É com boas intenções que muitos se tornam cabrões.
CV

As montanhas aumentam de tamanho à medida que nos aproximamos delas. É uma mania antiga, que fazem questão de manter.
CVI

Partindo do seu ponto de vista, é injusto que queiras exterminar a injustiça.
CVII

É certo que o homem é omnívoro e o leão carnívoro. Já quanto à maçã ser vegetariana…
CVIII

É fácil falar mal de alguém. Difícil é falar mal de alguém e fazê-lo bem.
CIX

O sol continua atrás das nuvens. Acorda-me, quando estiver à frente.
CX

Quem dança por gosto não descansa.
CXI

Lastima-te, mas não desanimes. Persevera nalguma coisa: lastima-te.
CXII

Alimenta-te de ti mesmo. Rói-te de inveja.
CXIII

Caminha sobre as águas. Não pares de andar, dentro do barco.
CXIV

Nada é mais teu do que o chão que pisas. Pelo menos enquanto o pisas…
CXV

Todas as desculpas servem para um homem se manter vivo. Excepto, comprovadamente, a última.
CXVI

Domina o cometa como se pegasses um touro. Fá-lo rabejar.
CXVII

É difícil fazer compreender ao pássaro que a profundidade é a altitude ao contrário. Excepto, talvez, se for toupeira a explicar-lhe.
CXVIII

Rodeia-te de ouro que não apresente peso nem forma. Transporta-se mais facilmente.
CXIX

Há, aqui, coisas que são pérolas. Mas o que são pérolas, nos dias de hoje?

CXX

Não acredites em tudo o que leste.